segunda-feira, 16 de novembro de 2015

Poesia Matemática


Às folhas tantas
do livro matemático 
um Quociente apaixonou-se
um dia 
doidamente
por uma Incógnita. 
Olhou-a com seu olhar inumerável 
e viu-a do ápice à base 
uma figura ímpar;
olhos rombóides, boca trapezóide,
corpo retangular, seios esferóides.
Fez de sua uma vida 
paralela à dela
até que se encontraram 
no infinito.
"Quem és tu?", indagou ele 
em ânsia radical.
"Sou a soma do quadrado dos catetos.
Mas pode me chamar de Hipotenusa.
"E de falarem descobriram que eram
(o que em aritmética corresponde 
almas irmãs)
primos entre si.
E assim se amaram ao quadrado
da velocidade da luz numa sexta potenciação
traçando ao sabor do momento e da paixão retas,
curvas, círculos e linhas sinoidais 
nos jardins da quarta dimensão.
Escandalizaram os ortodoxos das fórmulas euclidiana 
e os exegetas do Universo Finito.
Romperam convenções newtonianas e pitagóricas. 
E enfim resolveram se casar 
constituir um lar, 
mais que um lar,
um perpendicular.
Convidaram para padrinhos
o Poliedro e a Bissetriz.
E fizeram planos, equações e diagramas para o futuro
sonhando com uma felicidade
 integral e diferencial. 
E se casaram e tiveram uma secante e três cones 
muito engraçadinhos.
E foram felizes 
até aquele dia 
em que tudo vira afinal 
monotonia.
Foi então que surgiu 
O Máximo Divisor Comum
freqüentador de círculos concêntricos,
viciosos. 
Ofereceu-lhe, a ela,
uma grandeza absoluta 
e reduziu-a a um denominador comum.
Ele, Quociente, percebeu 
que com ela não formava mais um todo, 
uma unidade. 
Era o triângulo, 
tanto chamado amoroso.
Desse problema ela era uma fração,
a mais ordinária. 
Mas foi então que Einstein descobriu a Relatividade 
e tudo que era espúrio passou a ser 
moralidade 
como aliás em qualquer 
sociedade.
Millôr Fernandes 

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